Gógol e a sobrecassaca

Num dos "Contos de São Petersburgo", a "Avenida Névski”, Gógol escreve assim: "oh, não confiem nesta Avenida Névski. (...) é tudo engano, é tudo sonho, nada é o que parece. Acham que aquele senhor que se passeia com uma sobrecasaca de corte excelente é muito rico? Nada disso, todo ele se resume à sobrecasaca". Há dias, ao reler o conto e estas frases lembrei-me que se adequam bem à farsa que é a "Madeira Nova", ou "Madeira Contemporânea", terra onde nada é o que parece e que respira sinais de desenvolvimento não passam disso, de sinais que nunca se concretizaram. A Madeira é rica? É tudo engano, toda ela se resume à sobrecasaca. A “Madeira nova” é uma criatura que fez nascer “funcionários para sempre enclausurados”, à espera da migalha que o poder distribui a quem o acompanha incondicionalmente.
À porta do edifício ainda vivem funcionários trajando uma sobrecasaca que tapa a nudez, esperando a sua vez na fila dos desamparados, de braço estendido e “almas mortas”, cabeça baixa e barrete de orelhas enfiado até aos olhos. Sobre a porta, uma voz metálica lembra os dias que passam e os dias que faltam e os números de senha que ninguém ouve. (26-de-setembro-de-2011-número-de-senha-1978). Fá-lo continuamente, sem descanso.
Ah, dentro da sala a banda tocou tantos dias e tantas noites! Continuamente, sem descanso. Que bela foi a festa! Chegámos a acreditar que era para sempre, uma valsa contínua no “salão das mil janelas”, uma “valsa de morte e de conhaque”.
As migalhas acabaram. A troika encarregar-se-á de varrer a mesa. Pela janela agora aberta entra um vento frio de fim de festa. A banda calou-se e os corpos dos convivas arrastam-se ébrios em direcção à porta. No meio do salão ficou só o velho senhor a inventar anedotas para conter a debandada. 26-de-setembro-de-2011-número-de-senha-1978. Os funcionários ainda esperam, à porta do salão vazio. 26-de-setembro-de-2011-número-de-senha-1978, insiste a voz metálica que nunca foi dotada de alma.

Comentários