Coetzee e Magda


Um dia, encontrei-te no coração desta terra e resolvi guardar-te numa anárquica colecção. Olhaste-me directamente nos olhos e creio que me procuraste explicar o motivo pelo qual fugiste por tanto tempo à luz e aos espaços vazios, dizendo-me, talvez, que a luz e o espaço (porque povoado de passado) despiram de esperança as tuas palavras. É possível ter esperança rodeado de cadáveres? A esperança sobreviverá à solidão? Responde Magda:

A minha raiva fica tolhida entre quatro paredes. Fazendo ricochete nas placas de estuque, nos azulejos, nas tábuas e no papel de parede, as minha explosões de raiva são-me devolvidas, colam-se à minha pele, impregnam-se na minha pele. Embora eu possa parecer uma máquina com dois polegares móveis que faz trabalhos domésticos, na realidade sou uma esfera que gira com uma energia violenta, pronta a explodir mal algo me toque. E embora haja, dentro de mim, um impulso que me incita a ir lá para fora explodir, inofensivamente, no meio do nada, receio que haja um outro impulso - sou cheia de contradições - dizendo-me para me esconder num canto com uma aranha, a viúva negra, e lançar o meu veneno a quem passar por perto. «Toma, pela juventude que nunca tive!», cicio eu e cuspo, se é que as aranhas sabem cuspir

Talvez sejas diferente de Magda e a tua raiva não seja a raiva furiosa do opressor. Terás tu querido fazer mal a Lucy com a desgraçada raiva da libertação? Será tua a plácida raiva da razão? Foi Lucy a catarse que te fez regressar ao sul, a um outro sul, onde a raiva de poucos é cantada nos trilhos mágicos inventados por Chatwin?

Quem sabe, Mr. Coetzee, quem saberá o que se esconde nas linhas quase rectas das tuas frases.



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