Se Numa Noite de Inverno, um Viajante

"Se Numa Noite de Inverno, um Viajante" é um labirinto de histórias inacabadas, entre as quais vagueiam duas personagens encadeadas pelo brilho incompleto da literatura.

Quem já leu o romance de Italo Calvino percebe a frustração criada propositadamente no leitor (a mesma que sentem as personagens). Percebe que existem labirintos que não têm saída, corredores quer conduzem a paredes lisas, buscas impossíveis.

Recordei o livro, que li há alguns anos, através de um título do Diário de Notícias da Madeira a propósito de uma notícia sobre as viagens não autorizadas e não comunicadas de Alberto João Jardim.

Lembrei-me do labirinto. Vi Jardim na ferrugenta estação ferroviária, como o Leitor da obra de Calvino, buscando incessantemente a continuação das palavras, debruçando-se (fora do povoado de Marbork) na borda da costa escarpada, sem temer o vento e a vertigem, olhando para baixo onde a sombra se adensa, numa rede de linhas que se entrelaçam (numa rede de linhas que se entrecruzam), no tapete de folhas iluminadas pela lua, ao redor de uma cova vazia*.


Simbolicamente, o magnífico título escolhido pelo Diário - o melhor em muitos anos - é a representação do labirinto em que Jardim e o seu regime mergulharam. É a representação do adensar insuportável das sombras. Do fim (mesmo que maquilhado de falsas esperanças de recomeço).

Procuro o senhor Kauderer.
O senhor Kauderer não está. Mas como o cemitério* é a casa dos que não estão, pode entrar.


* A cova e o cemitério representam, neste meu curto apontamento, a morte política.



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