Discurso

Deixo aqui, se interessar a alguém, o discurso que fiz aquando da apresentação da moção que assino no XIII Congresso do CDS-PP Madeira

Exma. Senhora Presidente da Mesa do Congresso

Exmo. Senhor Presidente da Comissão Política

Senhores Congressistas

Senhores convidados


O tempo que vivemos é propício a tudo questionar. O modelo de governação e de gestão da “coisa pública” utilizado na Madeira nos últimos 35 anos está manifestamente esgotado. Caiu de forma previsível, vítima de todos os excessos que se conhecem, arrastando a própria autonomia, conquistada a pulso pelos povos da Madeira e dos Açores, para um atoleiro, terreno do qual, por definição, é muito difícil sair.

O cenário, já por demais traçado, obriga-nos a enfrentar, com coragem, determinação e inteligência, os desafios que impõe.

Não basta, neste momento, repetir exauridas fórmulas, gritar slogans mais ou menos revolucionários, esgrimir argumentos iguais àqueles que ouvimos há mais de 30 anos.

Hoje, é preciso questionar de forma séria todas as verdades que nos foram incutidas. Esse é um dos papéis da Cultura, ou seja, ajudar-nos a colocar questões pertinentes sobre a sociedade que nos envolve.

Sem querer parecer auto-justificativo, é essa a razão pela qual apresento, no Congresso do CDS, uma moção sobre Cultura e sobre o modelo cultural que, acredito, deve ser aplicado na Região Autónoma da Madeira.

Faço-o porque tenho a certeza de que um povo mais culto é um povo mais preparado para colocar questões. Faço-o porque creio firmemente que um povo mais culto é um povo mais crítico, capaz de obrigar o poder político a cumprir a sua obrigação de gerir, bem, os recursos que são de todos.

Durante mais de 30 anos, os sectores culturais e criativos, à semelhança de outros, foram vítimas de uma atroz falta de estratégia da parte de quem governa e governou. Foram vítimas de uma visão redutora, que confunde Cultura com meras manifestações mais ou menos etnográficas, para turista ver. Foram vítimas de laxismo e, como se não fosse manifestamente suficiente, foram vítimas de um projecto que, nas últimas décadas, não é mais do que um projecto de manutenção de poder a todo o custo.

A política do “pequeno favor” alicerçada na frase “uma mão lava a outra e as duas lavam a cara” – o pior de todos os ditados populares portugueses – minou a criatividade, o talento, a capacidade de pensar e de questionar de todo um povo.
Exma. Senhora Presidente da Mesa do Congresso

Exmos. Senhor Presidente da Comissão Política Regional

Exmos. Senhores Congressistas

Exmos Senhores Convidados

Reconheço que partimos de uma situação de enorme atraso estrutural. Reconheço que foram feitos alguns esforços, normalmente individuais, para corrigir, na área da Cultura, os desequilíbrios existentes. Mas, num laivo de honestidade que não é de todo expectável, o poder político regional deveria reconhecer que poderia ter feito muito mais e, sobretudo, muito melhor com os recursos que teve à sua disposição.

Não o fez porque não soube, nem quis. E não quis porque a Cultura e as indústrias criativas incomodam. São uma espécie de portas que se abrem para o conhecimento de si e do outro. São por natureza críticas e muito pouco controláveis. Imaginam este poder político libertar forças que não controla?

Alguém imagina ver este poder político lidar com inteligência e algum sentido de humor com a crítica, com a caricatura, com as questões que lhe são colocadas?

Não, como é óbvio. É um cenário inimaginável!

Daí a menorização da criatividade. Daí a canalização de quase todos os recursos disponíveis para a recuperação de património e para, utilizando uma expressão Madeirense, apoiar eventos para “inglês ver”.

Daí a aposta num ensino da Cultura baseado na mera repetição mecânica de fórmulas. Daí a propositada negação da mudança registada internacionalmente nos paradigmas de gestão das “coisas” da Cultura.

Daí a menorização dos agentes culturais que não sejam “do regime”, sendo que “ser do regime” é sobretudo não questionar uma identidade inventada para justificar e dar corpo a tantas e tantas disparatadas decisões políticas.

Deve ainda reconhecer-se que, concentrados em outras esferas da luta política e da vida social, os partidos da oposição também pouco olharam para estes sectores ao longo das últimas décadas, dando, muitas vezes, liberdade ao poder para de tudo dispor.

Se fazemos o “mea culpa”, deveremos também perceber que há que fazer mais e muito melhor. Há que olhar o sector da cultura e das indústrias criativas como fundamental para um desenvolvimento integral da Madeira e do Porto Santo. Há que perceber a importância da Cultura e das indústrias criativas para o fomento da indústria turística, cerne da economia do arquipélago. Há ainda que entender que estes sectores são fundamentais para uma melhor qualidade de vida de todos, nem que seja porque ao criarem a capacidade de questionar, de criticar, de perceber diferentes prismas de análise contribuem para uma melhor fiscalização do poder político por parte dos cidadãos. Estou plenamente convicto de que com um correcto investimento na Cultura a Madeira não teria chegado à dramática situação a que chegou.

Daí o compromisso do CDS Madeira, se aprovar a moção que apresento, de defender que se faça mais e muito melhor nas áreas da Cultura e das Indústrias Criativas. Daí o compromisso deste partido de defender uma estratégia integradora, que aposte nos elementos diferenciadores que nos caracterizam, que aposte numa correcta formação de recursos humanos, que aposte na criação e na educação de públicos, que aposte na Cultura e nas indústrias criativas como elementos nucleares na estratégia de diferenciação do produto turístico e da marca Madeira. Que aposte num sector capaz de gerar emprego e riqueza, como qualquer outro dos sectores económicos.

Exma. Sra. Presidente da Mesa do Congresso

Exmo. Senhor Presidente da Comissão Política Regional do CDS

Exmos. Senhores Congressistas e convidados

“Li Algures, que os gregos antigos não escreviam elogios fúnebres quando alguém morria. Perguntavam apenas: tinha paixão?”, escreveu Herberto Helder, o enorme poeta do Mundo que também é Madeirense.

Pois este é um tempo para paixão. É um tempo para nos apaixonarmos pelo debate, pela possibilidade de mudança, pela necessidade de transformar a sociedade em que vivemos.

Este é um tempo para olhar o futuro e apostar que nunca mais, em circunstância alguma, vamos permitir que a Autonomia da Madeira seja hipotecada e que sejam perdidos direitos que tanto custaram a conquistar.

Para que tal aconteça, é fundamental uma sociedade baseada no mérito, em todas as áreas, da Saúde à Educação, da Cultura ao sector primário. É urgente que se premei o mérito em detrimento do “pequeno”, ou “grande”, favor.

O exemplo deve vir do poder político. Mas é transversal a todas as instituições, inclusive aos partidos da oposição.

Para que nunca mais a Autonomia nos seja retirada, é ainda fundamental investir nos cidadãos da Madeira e do Porto Santo, dando-lhes meios para gerirem, com perfeita autonomia, os seus próprios destinos. Com paixão e sem qualquer tipo de medo porque, citando Roosevelt, “a única coisa que devemos temer é o próprio medo”.

Funchal, 14 de Julho de 2012

Gonçalo Nuno Santos

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