Game Over

Vamos brincar às cidades. Primeiro é fácil: descobrimos uma casa sem tecto. Pintamos a parede frontal, que compomos transformando rasgos em janelas, com armação de madeira e vidros pequenos a condizer. Juntamos uma porta, castanha, sem esquecer o "batente" em latão dourado. Embelezamos o beiral com telhas novas e o cenário fica quase pronto. Falta-nos apenas fingir que a porta, quando aberta, deita cheiro de gente. Deixa ouvir música de gente, conversas de gente. Gente que é uma cidade num conjunto orgânico de cidades-gente que constitui uma cidade de pedra. Depois, o jogo torna-se mais difícil. Porque as cidades-gente recusam-se, vá lá saber-se porquê, a viver num cenário. A entender a cidade de pedra como um mero palco. O jogo acaba aqui, perante a impossibilidade efectiva de responder ao segundo desafio: inventar cidades-palco com gente dentro. Se quisermos, podemos regressar ao primeiro nível. A Câmara Municipal do Funchal fê-lo, começando a arranjar fachadas sem gente dentro, criando a ilusão de uma cidade sem cidade, onde as janelas conduzem directamente a escombros ou ao céu quase-sempre-azul de Julho. Uma cidade-palco sem cidades-gente na Zona Velha e à volta do Mercado. Atrevo-me a propor um jogo novo que começa de forma diferente e no qual o primeiro nível será, sempre, povoar a cidade de pedra com cidades-gente e deixar que as últimas reconstruam a primeira dando-lhe portas que quando abertas deixem passar, efectivamente, os cheiros da vida de toda a gente.

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