Moção aprovada no XIII Congresso do CDS-PP

Uma nova política para a Cultura e para as Indústrias Criativas

Um pouco de Cultura é uma coisa perigosa?

In the contemporary world, a new development paradigm is emerging that links the economy and culture, embracing economic, cultural, technological and social aspects of development at both the macro and micro levels. Central to the new paradigm is the fact that creativity, knowledge and access to information are increasingly recognized as powerful engines driving economic growth and promoting development in a globalizing world.

(Creative Economy Report, United Nations, 2008)


1 – Introdução:
- Mudar a percepção através dos números

Apresentar uma moção que fale em política cultural e indústrias criativas é, normalmente, visto como uma excentricidade. Afinal, a imagem que a maioria de nós tem de cultura, e também de industrias criativas, é a de que ambas não serão mais do que formas de empregar o excesso da riqueza criada, uma espécie de “coisas para entreter”.

Por vivermos numa sociedade que se rege por números, tendendo sempre a optar pela segurança de dados mais ou menos exactos, avanço com referências que podem ajudar a uma mudança de percepção:

- As indústrias Criativas, dizem diversos estudos globais, representam cerca de 7% do PIB mundial, ou seja, de toda a riqueza criada no mundo. Diversas estimativas apontam o sector como aquele em que se regista o maior nível de crescimento, 10% ao ano.

Mas vamos a mais números, extraídos, de um relatório de 2011 do projecto Europa INNOVA, iniciativa da Comissão Europeia:

- Em 2009, as empresas ligadas às indústrias criativas e culturais empregavam 6,4 milhões de pessoas em 30 países da Europa.

- Só nas regiões Île de France (Paris, França), Inner London (Londres, Grã-Bretanha), Lombardia (Milão, Itália), Madrid (Espanha), Catalunha (Barcelona, Espanha) e Lazio (Roma, Itália), 972.724 pessoas trabalhavam nas áreas de indústrias criativas e culturais.

O próximo quadro comunitário de apoio (2012-2020), conforme foi anunciado pela Comissária Europeia para a Cultura, tem orçamentados 1,18 mil milhões de euros, mais 37% do que o QCA actualmente em vigor.

Será que estes números ajudam a mudar a percepção da maioria? Serão estes dados suficientes para que os estados, as regiões e as cidades, e respectivos agentes políticos, entendam que a aposta na cultura e nas indústrias criativas é, para além de vital para o progresso individual e colectivo, um bom negócio?

Em diversas parcelas do nosso fantástico mundo plano são. Noutras, infelizmente, não, trabalhando-se ainda em paradigmas ultrapassados e insistindo-se numa visão passadista sobre cultura e sobre indústrias criativas, assumindo-as não como áreas de trabalho e de actividade que, à semelhança das restantes, são capazes de gerar riqueza para a comunidade, materializada em postos de trabalho, em impostos directos e indirectos que revertem para o estado e em potenciação de outras actividades, mas sim como “despesa” a evitar em época de crise.

É fundamental, pois, começar por mudar algumas percepções nos países, regiões ou cidades onde a cultura e as indústrias criativas são vistas como uma espécie de adorno para mostrar em dias especiais.

É urgente fazer entender que estas áreas são tão nucleares quanto outra qualquer pode ser. E que, muitas vezes, são capazes de criar mais-valias económicas superiores àquelas criadas pelos sectores ditos “tradicionais”, servindo como alavanca para os mesmos.

Como fazê-lo numa Região, Madeira, onde a cultura e as indústrias criativas ainda são olhadas e geridas pelos poderes públicos segundo paradigmas do século passado – literalmente falando – e entendidas como uma espécie de enfeite para “turista ver” e dizer, em inglês ou alemão, que típicos são estes ilhéus!

2 - Cultura e Indústrias Criativas na agenda mediática:
– Função dos agentes culturais e dos partidos

Para começar, não há que desresponsabilizar os agentes culturais. Nos últimos 35 anos, a maioria resignou-se à “técnica” do subsídio atribuído segundo um único critério, o político.

Raros foram os casos em que se procurou inovar, criar sinergias internas e externas, responder a novos desafios. Raros foram os casos em que, efectivamente, se percebeu que repetir formatos externos dando-lhes um cunho “regional” não era suficiente.

Um dos maiores artistas plásticos portugueses da actualidade, que por acaso é madeirense, Rigo, disse recentemente que para transformar a cultura e as indústrias criativas numa mais-valia deveríamos criar cá dentro, potenciando os elementos diferenciadores, e vender lá fora. Eu acrescentaria: criar não se compadece com a eterna repetição de clichés.

A política pública nunca o percebeu, sendo que muitos dos agentes culturais que conseguiram sobreviver nos últimos anos optaram pelo facilitismo, por puro instinto de sobrevivência.

Chegados a este ponto, é fundamental perceber que os próprios agentes culturais deverão começar por mudar a sua percepção. A ideia das “pequenas capelas” com trancas à porta, armadilha bem montada pelo poder político, deve ser atirada para trás das costas – ou como se diz em Madeirense – “deitada da rocha em baixo” – e deve ser substituída pela prática da partilha de projectos e de competências, transformando o resultado da soma de vontades num número de valor apreciável.

É urgente escapar à táctica do “dividir para reinar” montada durante tantos anos por um poder político que, por ser inculto, é medroso, tendo por isso medo do desafio que a cultura e as industrias criativas representam por definição.

E quanto aos partidos políticos, que devem ser instrumentos da sociedade e não, como muitas vezes aparentam, instituições com um fim em si mesmos?

Existem muitas responsabilidades dos agentes políticos ao longo dos últimos 35 anos. Em primeiro lugar, porque nunca, em circunstância alguma, um partido político teve um programa para a cultura coerente, que representasse mais do que uma amálgama de ideias soltas inscritas em “papelinhos” entregues aos eleitores.

Consultando, por exemplo, o Programa Eleitoral do PSD-M, vemos que não há uma única referencia às Indústrias Criativas. O “documento” – eu tenho muitas dificuldades em chamá-lo assim – não passa de um arrazoado em que se misturam construção de infraestruturas e concessão de apoios públicos, apontando a área museológica e de património como as únicas a ponderar.

O PS-M não é melhor. Se o programa eleitoral para esta área era de uma pobreza franciscana, o discurso político actual nada acrescenta. Numa breve consulta ao site do partido vejo apenas uma intervenção sobre a matéria, pedido uma comissão para as celebrações dos 600 anos do início do povoamento da Madeira, fazendo coro com o PCP na habitual ânsia de estatização das manifestações culturais.

Resumidamente, para a adopção de uma nova política cultural e para as indústrias criativas é fundamental que também os partidos políticos entendam que a área pode ser vital para o desenvolvimento futuro da Região.

A cultura e as indústrias criativas não dão votos? Eu respondo com uma pergunta: não será função dos partidos trabalhar em prol do desenvolvimento integral das comunidades onde se inserem? Eu estou aqui porque acredito que sim!

Se por um lado os agentes culturais devem fazer um esforço para tornar mediático o sector, por outro os partidos deve colaborar, não o excluindo das suas agendas.

Se aprovar esta moção, o Congresso do CDS-PP Madeira, e a Comissão Política do Partido, comprometem-se a colocar, na sua agenda e na agenda mediática, os assuntos da cultura e das indústrias criativas, fazendo um esforço para intervir na área, apresentando propostas que se constituam uma mais-valia para os agentes culturais e para a comunidade.

Ao assumi-lo, o CDS-PP estará já a dar um contributo para ajudar à necessária mudança de percepção da sociedade Madeirense em relação à Cultura e às indústrias criativas.

3 - Novos paradigmas para o ensino artístico:
– Formar Públicos

Infelizmente, apenas com mudanças de percepção não “vamos lá”. É urgente a aplicação, imediata, de novas políticas públicas nestes sectores.

Se por um lado existem, neste momento, um conjunto de espaços que, se potencializados, o que não tem sido o caso, podem transformar-se numa óbvia mais-valia, por outro não existe qualquer tipo de estratégia –pelo menos que seja visível – para as temáticas em apreço.

É então urgente começar pelo início. Não basta criar infraestruturas. É fundamental perceber como utilizá-las, coisa que ninguém quer fazer. Talvez dê trabalho, quem sabe!

É de importância fulcral começar por fazer um correcto mapeamento das estruturas, fazendo um levantamento das infraestruturas existentes, dos organismos públicos que apoiam ou desenvolvem projectos nas áreas que aqui foco, dos agentes culturais e criativos, dos eventos culturais e das empresas que fornecem ou têm potencialidade para fornecer serviços.

Só sabendo aquilo que temos é possível perceber aquilo que podemos ter. Esta é uma premissa básica em qualquer área de actividade.

Só conhecendo as nossas potencialidades poderemos trabalhar melhor, gastando menos.

No que se refere à criação de públicos, faço uma curta viagem no tempo e percebo que o sector público regional apostou, nos últimos 30 anos, na educação cultural, adoptando os modelos em vigor nas décadas de 1970 e 1980 mas que, por manifesta lassidão, nunca os actualizou em 30 anos.

Temos assim a falsa ideia de que se estão a criar públicos quando as evidências nos dizem o contrário.

É então fundamental começar pela base e voltar à tarefa inicial de criar públicos, diminuindo a distância entre quem cria e quem consome – tarefa nuclear de qualquer estado, região ou cidade – adoptando novos modelos de educação cultural e artística, que fomentem o interesse dos jovens formandos, tornando relevante a sua participação e incutindo-lhes competências que não sejam puramente técnicas. É urgente criar bons ouvintes, bons leitores, gente com capacidade para perceber o design, a moda, as artes plásticas, potenciando a criação de um mercado para a cultura e para as indústrias criativas, mercado esse que contribuirá decisivamente para a diminuição da subsidiodependência, para a criação de emprego e para o aumento dos proveitos dos agentes culturais e criativos.

Segundo a definição da própria UNESCO, os modelos de ensino artístico não devem ser puramente estatizados ou depender quase em exclusivo de organismos públicos. Devem ser partilhados com instituições privadas através de acordos sólidos de parceria, garantindo assim a maior universalidade possível.

4 - Criar sinergias:
- Trabalhar melhor sem gastar mais

Mas para além de formar públicos, urge intervir em outras áreas. É impossível perceber porque razão a Universidade da Madeira, única instituição que, na Região, forma agentes culturais atribuindo-lhes graus académicos de nível superior, não participa na definição das políticas culturais e criativas na Região.

É quase imbecil - passe a expressão, que é forte - a forma como não se potencia a conjugação de esforços entre quem ainda desenvolve actividades ditas “tradicionais” – eu prefiro o termo diferenciadoras – como o bordado, o vinho e o artesanato e quem trabalha em design, em marketing ou em gestão.

Actualmente, a existência do IVBAM como instituição autónoma faz tanto sentido como os discursos do Sr. Presidente do Governo Regional, ou seja, não faz sentido nenhum.

Alguém consegue perceber para que serve o Madeira Tecnopolo no meio desta confusão de instituições que referi?

E a DRAC, serve para quê? Para recuperar património – o que é manifestamente interessante – e para pagar ordenados?

É perceptível a razão justificativa para que o Governo Regional e os agentes culturais e os agentes criativos estejam de “costas voltadas”, sendo que os últimos não participam no processo de definição de políticas?

Parece-nos, muito honestamente, que qualquer cidadão de bom senso e que não esteja filiado no PSD-M tem muitas dificuldades em perceber quais os objectivos da “política para a cultura” que o Executivo da Madeira diz ter.

É pois urgente criar sinergias entre as diferentes instituições que trabalham nas áreas da cultura e das indústrias criativas. É urgente criar cá dentro para vender lá fora e não copiar aquilo que acontece para além da Ponta de São Lourenço.

É de importância nuclear perceber quais os produtos culturais que se podem constituir como mais-valias no mercado global sendo que para isso é fundamental trabalhar com agentes externos, criar parcerias com instituições, regiões ou cidades que estejam instaladas em espaços para além do nosso curto universo visual.

É vital perceber que, voltando a utilizar terminologia Madeirense – “há mai mundo”!


5 - Utilizar com inteligência canais de distribuição disponíveis:
– Madeira global

Sendo assim, é fácil entender que a terceira tarefa do sector público regional é, pura e simplesmente, estar atento às oportunidades e procurar utilizar os canais de distribuição disponíveis e de fácil acesso para colocar “no mundo” produtos de cá, abrindo caminho ao privados.

Por outro lado, é fundamental perceber também a importância do sector cultural para o turismo. Se por um lado, o apoio a eventos que contribuam para fomentar o posicionamento da Região nos mercados turísticos globais é altamente desejável, por outro urge criar um “substrato cultural”, ou seja, apostar no desenvolvimento de pequenos eventos locais, que se constituem como parte da experiência de quem nos visita. Será este o grau máximo de importância da cultura e dos sectores criativos para o turismo.

Hoje, todos os estudos na área do turismo apontam a mudança no paradigma de definição daquilo que é um “turista”.

A maioria daqueles que viajam deixaram de ser espectadores passivos, cumprindo roteiros pré-definidos e mirando calmamente a paisagem, como se de um filme se tratasse. Actualmente, o “turista” procura experiências, procura participar activamente na definição da sua viagem e nas suas vivências no destino que escolhe.

A Cultura, tal como as indústrias criativas, podem e devem ser parte integrante da experiência que é vendida pelo destino Madeira.

A definição daquilo que se enquadra no turismo cultural é vasta. Inclui a gastronomia, o turismo religioso, patrimonial, entre muitas outras sub-categorias, pelo que urge uma estratégia integrada e integradora.

Criar um mercado interno para a Cultura e para as indústrias criativas é ainda fundamental para, em primeiro lugar, fixar talentos locais e para, em segundo lugar, atrair talentos externos.

6 - As funções do Governo Regional:
- Perceber, facilitar, construir pontes

Resumidamente, porque o texto vai longo, são estas as tarefas do poder político regional:

- Alterar radicalmente os paradigmas de educação artística, procurando criar públicos, desenvolvendo a médio prazo um mercado para a cultura e para as indústrias criativas na Região;

- Criar sinergias entre as instituições ou agentes que trabalham ou têm interesses na matéria, permitindo assim o desenvolvimento de produtos com interesse para o mercado global e também para os públicos locais;

- Procurar desenvolver parcerias externas e utilizar, de forma inteligente, os canais de distribuição para colocar produtos culturais ou criativos do arquipélago externamente;

- Perceber quais os eventos com interesse turístico que devem ser apoiados, contribuindo para a promoção do destino Madeira e procurar, através do fomento do trabalho em rede, a criação e divulgação correcta de um calendário de eventos local.

- Fixar talentos locais e atrair talentos externos.

A adopção de uma verdadeira política cultural e para as indústrias criativas trará certamente mais-valias económicas para a Região, com reflexos tão directos como o de incrementar, através da cultura e da criatividade, o destino Madeira no roteiro turístico internacional.

É flagrante que as nossas mais-valias turísticas tradicionais - “natureza” e “paisagem”- têm sido descuradas nas últimas décadas em prol de um desenvolvimento urbanístico pouco sustentado, o que resultou na actual redução da procura da Madeira como destino de Inverno e numa sazonalidade crescente do calendário turístico. Hoje, continuar a investir num posicionamento da Madeira como um destino exclusivamente de natureza já não é suficiente para competir com regiões mais preservadas e com uma oferta turística sustentada, como é exemplo, e aqui tão perto, os Açores.

O poeta satírico britânico do Século XVIII, Alexander Pope, dizia que um pouco de cultura é uma coisa perigosa. Este Governo Regional leu a frase sem nunca ter percebido a ironia que contém. Seguiu-a à letra.


Funchal, 3 de Julho de 2012

Gonçalo Nuno Santos

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