Anjo da guarda


(...)Quando eu vinha para casa a multidão ia na outra direcção. Tive de me fazer ainda mais pequeno e escorregadío, para não ir na onda.
Perguntei para onde iam tão unidos, assim, com tanto balanço. Responderam-me: Para deante! para a frente!
Iam para deante! iam para a frente!
Fiquei a pensar na multidão.
O meu anjo da guarda disse-me: Prompto! A multidão já passou, levou um quarto d'hora a passar. A multidão não é senão aquillo que levou um quarto d'hora a passar. Prompto! já está vista! anda d'ahi!
O meu anjo da guarda está sempre dizer-me: De que estás á espera? Vá, anda! Começa já! Começa já a cuidar da tua presença!
Não sei o que o meu anjo da guarda quer que eu advinhe em taes palavras.
Outras vezes, o meu anjo da guarda pede-me para que seja eu o anjo da guarda d'elle.(...)


Almada Negreiros - A Invenção do Dia Claro

Comentários

  1. Este texto é de quando ainda vigorava um desacordo ortográfico.

    ResponderEliminar
  2. O Almada não se preocuparia certamente com essas minuências. Tinha uma escrita orgânica, quase que uma extensão da mão (ou do cérebro que comanda a mão, sem interferências). Por isso é bonito de ler (e de ver o que pintou).

    ResponderEliminar

Enviar um comentário