Se a rapaziada quer, a rapaziada tem

A rapaziada tinha restaurantes. Quando a outra rapaziada, que governava à época, decidiu dar mais um passo rumo à higienização e esterilização do universo, proibindo o fumo de cigarros em tudo o que era sítio, a rapaziada que tinha restaurantes pediu autorização à Câmara Municipal para construir belos alpendres (avançados) em reluzente alumínio, para poder continuar a receber confortavelmente clientes que, contra a vontade expressa da rapaziada que à altura governava, continuavam alegremente a fumar. A Câmara Municipal deu, e a rapaziada fez, descaracterizando assim a fachada de muitos edifícios.

Passado algum tempo, a rapaziada que tinha restaurantes percebeu que o clima da cidade não se compadece com alpendres em alumínio e decidiu, com ou sem autorização oficial, mas sempre com o beneplácito camarário, instalar belas esplanadas em plástico e outros nobres materiais, à frente de cada um dos alpendres. Com as esplanadas chegaram os úteis guarda-sóis, outrora brancos e hoje em tom "castanho-merda", que pelos vistos é moda. Finalmente, à frente dos prédios, dos alpendres, das mesas, cadeiras e guarda-sóis das esplanadas, instalaram-se tenazes senhores cuja função é obrigar os poucos transeuntes que se aventuram pela fantástica Rua do Portão de São Tiago a sentarem-se, no interior, no alpendre ou na esplanada, tanto faz, para degustar as estafadas delícias em que se transformam, nas suas palavras, o filete-de-espada-com-banana (swordfish fille with a banana from here, em inglês), o bife-de-atum-com-molho-de-vilão (tuna with sauce of vilão) e a espetada-em-ferro-quase-tão-boa-que-parece-pau-de-louro ("espetada"-that-is-very-good-almoust-like-in-louro-steak).

Resumidamente, circular na Rua do Portão de São Tiago é uma missão literalmente impossível. Porque a rapaziada dos restaurantes assim o quer, com o beneplácito da rapaziada da Câmara Municipal do Funchal e dos educados rapazes da Secretaria Regional do Turismo.

Não tenho nada contra esplanadas (embora tenha contra alpendres em alumínio que descaracterizam património), mas a utilização do espaço público exige compromissos e cedências. Uma das tais "cedências" é a do direito de passagem a transeuntes que queiram, pura e simplesmente, ir à sua vidinha.

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