Rimbaud e madame Aubry

Se esquecermos o champangne, produzido, em parte, numa região francesa a que hoje se dá o nome de Champagne-Ardenne, o conjunto territorial denominado Ardenas, partilhado pela França, Bélgica e Luxemburgo, era conhecido, sobretudo, pelas duras batalhas que na primeira e segunda guerras mundiais contribuíram para escrever e reescrever o mapa da Europa. Comparativamente com outras regiões francesas, o turismo não tinha, nas Ardenas, particular importância, sendo suplantando pela agricultura.

Mais eis que um poeta, a imaginação e a capacidade de contar "estórias" deu início a um pequeno processo de transformação, exemplar para quem gosta de falar sobre turismo e que pode ser adaptado a realidades diversas. Nas Ardenas, um particular criou um circuito onde, supostamente, estão as impressões digitais de Rimbaud, ou seja, que permite aos viajantes circularem por espaços e cenários que o poeta francês também percorreu.

Até aqui, não há propriamente uma novidade. Mas tudo muda se dissermos que o circuito Rimbaud é constituído por nove etapas onde, segundo a sua mentora, Madame Aubry, não há, rigorosamente, quase nada que se veja, ou melhor, onde as provas físicas da presença e dos actos do poeta são substituídas pela simples menção que a ele se faz. São poucos os testemunhos físicos de Rimbaud. Mas são muitas as razões para seguir os seus passos nas Ardenas.

Complicado? Não, é perfeitamente inteligível quando se ouve Madame Aubry falar sobre o assunto:

A maior parte das pessoas ficam contentes por lhes contar a história de Arthur (Rimbaud) - coisa que não acontece no museu de Charleville. Também não gosto de pessoas que vêm só para fazer a visita. O que me interessa são aquelas que vêm dispostas a trocar ideias sobre o poeta. Às vezes, depois disso, também falamos sobre a nossa vida.

Resumidamente: Madame Aubry faz aquilo que é a essência do turismo, ou melhor, do acto de vender um espaço, um território, uma paisagem, ou o que quer que seja a alguém que pretende, simplesmente, evadir-se por uns dias: vende sonhos. Não vende o real, mas sim o real imaginado, traduzido em "estórias" que dão corpo à evasão pretendida.

É essa a chave, Madame Aubry. É consigo que nós, por cá, devemos aprender. Porque nós por cá temos "estórias" para contar e não sabemos como o fazer. Temos Churchill e um telefonema da rainha para o Reid's, que supostamente só terá sido atendido três dias depois. Temos Baptista, fugido de Cuba, a provar whisky à madeirense no Buraco da Parede, temos Sisi mas temos também o Czar da Rússia, com paixão por vinho Madeira, paixão de resto partilhada por Chaplin, pelos pais-fundadores da América, por Wilde e por tantos outros. Temos vida para além da paisagem. Temos circuitos por inventar, coisas para dizer, "estórias" mirabolantes de evasão. Não sabemos, no entanto, como contá-las. Nem sequer, a quem contá-las. Hoje, o turismo é cada vez mais experiência, experiência partilhada entre quem visita e quem recebe. Mas para mudarmos para esse paradigma, temos de começar pelo básico: aprender a contar "estórias".

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