Dentro do Segredo






A tradição portuguesa de literatura de viagens começa com os descobrimentos e com gente que escreveu sobre a descoberta do "outro", de espaços e de tempos (com gente dentro) então desconhecidos. Ainda no século XVI, Duarte Pacheco, D. João de Castro, Álvaro Velho, Pedro Vaz de Caminha, Francisco Álvarez, Frei Gaspar da Cruz, Frei Gaspar de São Bernardino, Frei Pantaleão de Aveiro, Fernão Mendes Pinto, entre outros, maravilharam a Europa com os seus relatos sobre percursos feitos em cenários quase que inimagináveis, escrevendo sob o peso das suas crenças, da sua Fé, da sua (pouca) ciência, criando obras que misturam a verdade com a ilusão que as viagens acarretam sempre. Já nos séculos XIX e XX, gente como Ramalho Ortigão, Ferreira de Castro e José Rodrigues Migueis não desdenharam escrever sobre o que iam vendo por esse mundo fora.

O fim do império representou quase que o fim do género. Não fora Gonçalo Cadilhe, mais algumas crónicas em jornais - que dificilmente se podem confundir com literatura -, e as narrativas sobre outros espaços e outros tempos (com gente dentro) teriam passado à história, apesar de outrora cultivadas e muito bem representadas nas lusas letras.

Mas o mundo é, por vezes, surpreendente e eis que José Luís Peixoto, um dos bons escritores da nova geração portuguesa - digo eu - aparece com Dentro do Segredo, relato de uma viagem à Coreia do Norte.

Confesso que, por partilhar com o autor um mórbido interesse por regimes opressores e, sobretudo, por um regime que conseguiu fechar um país no século XIX,

(não defendo nenhum desses regimes, que fique bem claro)

li o livro de uma assentada e (re)descobri o quão interessante pode ser a descoberta do outro mediada pela pena de um escritor, com tudo o que isso implica.

Peixoto prova-nos que o mundo, afinal, ainda tem colinas. Escreve com fina ironia, fugindo à tentação de construir uma espécie de guia para turistas curiosos. Revela a descoberta e revela-se na descoberta.

Dentro do Segredo é, indiscutivelmente, um grande livro.

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