Bruxelas I

Cena 1 - Final

A boca do metro vomitava cidadãos brancos de fato cinzento que juntos, corriam até desaparecer no interior da estação central de Bruxelas. Enquanto fumava no passeio, encostado a uma parede, com a mala ao lado, lembrava-me de outra partida, há quase 15 anos, num tempo em que a cidade - que transformara, mais dois companheiros de viagem, no ponto de passagem entre a luz de Lisboa e as luzes de Amesterdão - aborrecera-me até à exaustão. Chegara à procura da Europa. Partia para a Holanda acreditando que Bruxelas, pequena e quase provinciana, atrasara o encontro durante três dias.

Nesse tempo, na praça em frente à estação, enquanto aguardávamos o combóio, um sul-americano baixo, de gorro vermelho enfiado até aos olhos, inventava ritmos latinos numa espécie de xilofone de grande escala. Não lhe prestámos muita atenção. Queríamos fugir rapidamente do céu cinzento do Verão belga.

Quinze anos depois, enquanto fumava, voltei a ouvir música sobre a pressa dos homens brancos e cinzentos. Pareceu-me o mesmo som de xilofone. Por entre cabeças, pareceu-me o mesmo gorro vermelho. Mas agora como então, apaguei o cigarro, voltei as costas e rumei para a outra vida. Na carruagem, arrependi-me. Deveria ter voltado atrás e tentado perceber o que move quem insiste em colorir aquilo que é feito para não ter cor.

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