"Os Transparentes"

Depois de ter lido "Os da minha rua" e "A Avó dezanove e o segredo do soviético", ficara com a ideia de que faltava "qualquer coisa" à escrita do angolano Ondjaki. Havia talento, havia humor e alguma ironia, havia parte da cor e do ritmo que os escritores africanos de língua portuguesa imprimem naquilo que escrevem, fruto, eventualmente, de uma utilização mais livre do português. Mas faltava qualquer coisa e esse "qualquer coisa", interpretei eu, que leio e escrevo pelo simples prazer de ler e de escrever, sem quaisquer pretensões a ser critico ou escritor, seria uma entrega ilimitada ao livro, ou seja, Ondjaki seria um óptimo contador de "estórias" mas não um grande escritor, porque pairava sobre as palavras envolvendo-se pouco nelas.

Pois bem, "Os Transparentes" marcam uma nova fase na carreira literária do jovem angolano. Porque é, indiscutivelmente, um bom romance, uma boa peça literária e não apenas uma "estória" divertida.

No livro, editado em Novembro pela Caminho, Ondjaki revela dominar com mestria os intrincados labirintos da língua portuguesa. É lírico, é sarcástico, é melancólico. Com um vasto leque de personagens, constrói um mosaico excepcional, representativo daquilo que hoje é Angola, e em particular, Luanda, uma cidade onde a riqueza corre sob a terra, a par com a pobreza, onde a corrupção mina todos os extractos sociais, onde os desenrascados se safam - "vem aí o fim do mundo, para alguns... O começo do paraíso, para outros... Haja contas bancárias para os rios de dinheiro que vão correr", explicava ManRiscas, ou Coronel Hoffman, ao seu amigo PauloPausado, acrescentando, "meu filho, a vida é assim desde que Jesus Cristo foi pendurado na Cruz. Quem pode, pode, quem não pode, sacode e segue em frente, se lhe deixarem" - e onde a moral e conceitos como o do bem comum são marginais, representados por personagens de alguma forma disfuncionais, como "o esquerdista" ou Odonato, o homem que estava a ficar transparente.

Em "Os Transparentes", Ondjaki representa toda a Luanda num prédio e nos seus habitantes ou visitantes. A tarefa não está ao alcance de qualquer um, como facilmente se percebe.

Se lhe faltam presentes de Natal, deixo aqui esta humilde sugestão. Boas festas.

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