Real

Fotografar uma cidade não é mais do que atribuir representação física ao mito socialmente construído sobre o qual se edifica a própria cidade. Por outras palavras, por norma é um acto de reprodução não do real, mas sim daquilo que ele representa, da significância que lhe é socialmente atribuída.

Quem fotografa Lisboa, por exemplo, omite a profusão de fios que retalham o céu e a luz da cidade. Ou se os inclui na imagem, fá-lo tão só porque formam um todo com o objecto representado. Seja como for, a maioria dos eléctricos lisboetas parecem pairar sem nada que os faça mover, escondendo a eventualmente inestética fonte de energia propulsora.

Da mesma forma, os planos bem compostos de qualquer cidade não admitem automóveis que os perfurem ou gente que neles se atravesse prosseguindo o dia em posições verdadeiras.

Esta tarde, lembrei-me das centenas de disparos que senti traídos em todas as cidades onde já fui. Dos enquadramentos estragados pela vida de todos os dias, representada por quem se cruza, por obstáculos nos passeios, ou seja, pela cidade real.

Decidi então recuperá-los, disparando e permitindo que a imagem se corrompesse.

Peco desculpa pela fraca qualidade das fotografias. Não tiveram qualquer tipo de tratamento e o fotógrafo, tal como os momentos fotografados, são reais.



















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