Para a mulher e seu marido (e filhinhos também)

Artigo de opinião publicado hoje no Diário de Notícias da Madeira.





Chegas e parece-te uma ficção (ou serás tu a ficção?). Compras uma experiência. Segura, higienizada, vazia, com serviço de três, quatro ou cinco estrelas, conforme a tua bolsa. À noite danças ao ritmo de senhoras etnograficamente perfeitas que se intercalam com o "My Way" tocado num órgão em dó maior. Soube-te bem, a lasanha com amostra de Sinatra? Peito de perú seria melhor para a digestão, mas o grupo da frente fez-se primeiro ao buffet. O segundo dia é "etno". Verás com quantos paus se faz uma cesta de vimes. Tirarás um retrato numa bota gigante. Comerás espetada em ferro fundido com milho frito de água. Vais gostar, garanto-te, mas lembra-te que a excursão sai às 09:00 e como já está paga, convém não desperdiçar. O resto da estadia será surpreendente. Cheirarás flores importadas, verás com quanto betão se mede o desenvolvimento, com quantas notas se canta o mesmo "bailinho", com quantos grãos de areia se pinta de amarelo o mar, com quantos automóveis se faz um engarrafamento e com quanto vodka se faz uma poncha (a propósito, não bebas muito, o vodka pode não ser bom e as dores de cabeça estragar-te-ão o amanhã). Terás certamente oportunidade de ver como a gente recebe bem. Como rimos muito, sempre. Se te disserem que os ordenados estão em atraso, por favor não acredites. Ninguém ri e dança se não receber, não é assim? Se por acaso te disserem que antes, o azul e o verde e o preto entravam-te pelos olhos dentro, não creias. Era tudo lama. Terra e lama. Não preciso dizer-te que a terra e a lama não são azuis, não são verdes, não são pretas, não são de cor nenhuma que apeteça guardar. Aliás nada havia antes que apetecesse levar. Nem a costa feita de penedias que desafiavam o mar. Nem a terra, feita de esforço. Nem a música, feita de dor. Nem os sabores, feitos de mel. Era tudo real. Agora não. É uma ficção.

Comentários