Mia Couto e Alberto João Jardim

Se fosse escrito pelo Sr. Gilberto, o artigo de opinião de hoje, assinado por si no Jornal da Madeira, Dr. Jardim, seria mais um que cairia no anedotário regional, tal a dimensão do ridículo. Mas não é. O Sr. Gilberto deve estar a curar as feridas e a azia e o Dr. Jardim é, ainda, Presidente do Governo Regional e assim sendo, aquilo que escreve ganha uma dimensão maior.

Hoje, irresponsavelmente, culpa tudo e todos, mas sobretudo o "sistema político", pela derrota do seu partido, derrota tão clamorosa quanto expectável. Não encontra em si nenhuma culpa. Não percebe que as opções políticas que tomou nos últimos dez anos conduziram a Região a um beco sem saída, com o aumento da pobreza, do desemprego, dos impostos. Não entende que o seu discurso está esgotado, que os cidadãos querem ser ouvidos e não conduzidos, porque o tempo da razão absoluta passou. Não vê que tem o seu partido dividido e que a péssima gestão que fez da sua agenda política levou o PSD a perder quadros, sobretudo jovens, a perder entusiasmo e energia criativa. Finge não saber que os seus dias políticos terminaram. Da pior maneira possível. Da maneira mais previsível.

O Dr. Jardim, acusa a oposição de vencer eleições com sacos de comida quando, durante décadas, venceu eleições com sacos de comida, de cimento, com favores, com ameaças, com chantagem e através de um controle apertado de toda a sociedade Madeirense. Não terá sido o sistema que agora critica, Dr. Jardim, que lhe permitiu tantas vitórias?

Lembro-lhe, Dr. Jardim, que em dias que já lá vão qualificou os Madeirenses como povo superior, justificando os resultados eleitorais que foi alcançando com a sabedoria popular que permitia aos votantes fazerem sempre a "escolha certa". Hoje, porém, trata-os como irresponsáveis, por terem decidido inverter o rumo.

Pode, alguém que qualifica o seu povo da maneira como o Dr. Jardim qualificou hoje, continuar a exercer o seu mandato, com a consciência limpa? Os cidadãos permiti-lo-ão? Alguns dos seus companheiros de partido - muitos deles conheço, tendo-os por amigos e por pessoas inteligentes - permiti-lo-ão?

Sabe, Dr. Jardim, o senhor é agora o corpo estranho na política na Região. Hoje, Dr. Jardim, é o Sr. quem está a mais. A esmagadora maioria dos Madeirenses e dos Portosantenses já o disseram. A maioria dos seus companheiros de partido dizem-no abertamente, em todas as conversas em que o seu nome surge, sempre na triste qualidade de dispensável.

É pena, Dr. Jardim. Digo-o com toda a sinceridade e com o respeito institucional que o seu cargo me merece. É pena, Dr. Jardim, que nunca tenha lido Mia Couto. Deixo-lhe um poema de que gosto muito.

Fui sabendo de mim
por aquilo que perdia

pedaços que saíram de mim
com o mistério de serem poucos
e valerem só quando os perdia

fui ficando
por umbrais
aquém do passo
que nunca ousei

eu vi
a árvore morta
e soube que mentia

Comentários

  1. como é que se pode deitar poeira nos olhos do povo, pois o povo já tem os olhos bem abertos, chegou a altura de dizer basta

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