Gargalhada - Cecília Meireles

Um poema da Cecília Meireles de que me lembrei esta manhã. A razão é indiferente já que o poema vive por si, como a Cecília, sem precisar que outros lhe lembrassem que era a Cecília ou a elogiassem por ser Cecília, ou Meireles, ou poeta, ou outra coisa qualquer para além do simples facto de ser, porque sendo era Cecília, era Meireles, era poeta, era bonita e usava chapéu e avançava pelas ruas do Rio em 1930 segura de si, sabendo a cada passo que a mediocridade precisa de elogios, não a Cecília, a Meireles, com os seus versos e com o seu chapéu, gargalhando pelas ruas do Rio. Em 1930.


Homem vulgar! Homem de coração mesquinho!
Eu te quero ensinar a arte sublime de rir.
Dobra essa orelha grosseira, e escuta
o ritmo e o som da minha gargalhada:

Ah! Ah! Ah! Ah!
Ah! Ah! Ah! Ah!

Não vês?

É preciso jogar por escadas de mármore baixelas de ouro.
Rebentar colares, partir espelhos, quebrar cristais,
vergar a lâmina das espadas e despedaçar estátuas,
destruir as lâmpadas, abater cúpulas,
e atirar para longe os pandeiros e as liras...
O riso magnífico é um trecho dessa música desvairada.

Mas é preciso ter baixelas de ouro,
compreendes?
— e colares, e espelhos, e espadas e estátuas.
E as lâmpadas, Deus do céu!
E os pandeiros ágeis e as liras sonoras e trémulas...

Escuta bem:

Ah! Ah! Ah! Ah!
Ah! Ah! Ah! Ah!

Só de três lugares nasceu até hoje esta música heróica:
do céu que venta,
do mar que dança,
e de mim.

Comentários