Continente Selvagem



Estará o aforismo "aqueles que não conhecem a História tendem a repeti-a" correcto para a Europa do século XXI? Deixo a pergunta a propósito de "Continente Selvagem", a extraordinária obra de Keith Lowe que, paradoxalmente, é fundamental para quem quer conhecer a História do continente pós II Guerra Mundial.

Voltando ao aforismo inicial, poderá a repetição de momentos comemorativos - avivar da memória - referente ao maior conflito bélico do longo caminho da humanidade, momentos esses que têm significados exactamente opostos para povos que têm a necessidade de viver lado a lado, contribuir para que a História se repita, pois não deixam que as feridas cicatrizem convenientemente, permitindo a construção de mitos que cimentam as diversas identidades nacionais em torno de factos históricos manipulados conforme o interesse de cada nação?

Será o esquecimento o caminho, o segredo para que na Europa nunca mais se repitam os desgraçados acontecimentos de 1939-45, a que se seguiu uma guerra fria que dividiu o continente?

Até que ponto é o esquecimento justo para aqueles que pareceram sob os canhões de regimes insanos?

Lowe diz que não. Que é fundamental recordar para evitar a distorção. Mas recordar em conjunto, limpando a História de mitos e supostos mitos.

Haverá assim a necessidade de impor uma historiografia oficial, na qual cada interveniente seja premiado com uma justa dose de culpa e vitimização?

Será a integração de estados em unidades supranacionais, até que os próprios estados se desvaneçam, transformando-se numa espécie de supraestado, o caminho, esquecendo-nos de que muitos dos piores crimes da II Guerra foram perpetrados dentro dos próprios estados, em nome deles, contra minorias, fossem elas os ucranianos que viviam na Polónia, fortemente perseguidos após 1945, os polacos na Ucrânia, os búlgaros na Grécia e os gregos e italianos na Bulgária e Jugoslávia. Os croatas na Jugoslávia, que durante a guerra haviam tentado dizimar os sérvios na Jugoslávia. Os alemães em toda a Europa de leste, e por aí fora até à fronteira da insanidade?

Será necessário assegurar, "ad eternum", o crescimento económico numa EU alargada até às fronteiras russas, com uma melhor repartição de riqueza, algo que não se conseguiu até agora, tendo a própria União revelado intensas fragilidades desde o aparecimento da crise económica e financeira?

A obra de Lowe não nos deixa esquecer.

Aconselho vivamente a leitura do inquietante "Continente Selvagem".

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