Zeca, Sam, Otelo, Soares e o 25 de Abril




Passados 40 anos sobre o 25 de Abril, data da maior importância na História recente de Portugal, impressiona-me o carácter passadista das cerimónias evocativas e comemorativas. Impressionam-me os debates à volta do tema, também eles maioritariamente voltados para o passado.

Impressiona-me a ideia peregrina dos capitães de Abril que praticamente exigiram falar no Parlamento, quase como se o Conselho da Revolução ainda existisse e sem perceberem que o 25 de Abril que fizeram, devendo ser justamente homenageados por isso, serviu sobretudo para que tivéssemos uma democracia representativa que dispensa figuras tutelares.

Impressiona-me que hoje existam gerações - a minha e as posteriores - que nasceram depois do 25 de Abril, que felizmente não experimentaram a censura, a falta de liberdade associativa, a guerra colonial, mas que têm problemas concretos que não configuram e não podem ser resolvidos com manifestos ideológicos criados segundo modelos tradicionais de análise. Gerações que não se enquadram minimamente, nem são representadas, em obras de retórica onde a palavra "fascista" predomina.

Basta ouvir os rappers portugueses, que são os verdadeiros cantores de intervenção da actualidade, para perceber que os seus universos estão a anos-luz de distância dos capitães de Abril, da PIDE, da guerra colonial - sendo quando muito filhos dessa mesma guerra -, da censura.

Lembrar a data, sempre. Comemora-la, sempre. Mas pelo amor de Deus, façamo-lo sem aumentar as distâncias entre aquilo que representou e os dias que correm. Que são duros. Que não são propícios à já habitual cena de teatro em que, de cravo ao peito, participam anualmente alguns (poucos) milhares de cidadãos.

Pelo amor de Deus, que se actualizem os discursos. Que sejam ouvidos novos protagonistas. Que se cantem outras canções!

Não, eu não quero continuar a ouvir o Dr. Soares a propósito de Abril. Não me interessa aquilo que Otelo tem para dizer. Gosto dos capitães de Abril mas não me representam. Gosto deles quase como gosto de D. Afonso Henriques, de Nuno Álvares Pereira, do Infante, de Vasco da Gama, de Camões, de Pessoa e de Eça. Gosto de Zeca Afonso 364 dias por ano. Não hoje. Não quero ouvir falar da PIDE, hoje. Nem da censura. Hoje. Nem do antigo regime. Hoje. Nem sequer de Salazar, Caetano ou Spínola. Hoje.

Hoje queria ouvir falar dos problemas concretos e sobre a forma como uma democracia parlamentar a eles pode responder. 

Hoje queria ter visto Sam The Kid cantar Abstenção no Parlamento Português e explicar porque o faz e porque o fazem milhões de concidadãos a cada acto eleitoral.

Nas vésperas, gostaria que se tivesse debatido a crise da democracia representativa 40 após a revolução; O que significa liberdade e de que forma a minha geração e as posteriores a exercem e a vivem; De que maneira poderemos sair do beco em que estamos metidos; De que forma podem as novas gerações contribuir para um país melhor; Quem somos, para onde vamos, o que queremos ser amanhã. 

Porra, parem lá de cantar a Grandola e tirem um minuto, apenas um, para ouvir!

Nota: A fotografia foi roubada à Paula Almeida. Sem ela saber. Obrigado na mesma, Paulinha.

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